sábado, 31 de maio de 2025

Mani A Deusa da Mandioca e o Espírito Ancestral de um Brasil que Deu Certo


Deusa Mani e a Capivara - Quadro com moldura de Pau-Brasil

A história de Mani começa com um escândalo: sua mãe engravida da própria Terra. Expulsa da aldeia pelo preconceito, morre poucos minutos após o parto. Mas Mani nasce consciente, já falando, já conhecendo os segredos da floresta. Ela é, ao mesmo tempo, criança e mito, símbolo de força, dor e renascimento.

A Deusa Mani interage com os Heróis da Bruzundanga, no Brasil alternativo, um um verdadeiro paraíso. A corrupção não existe. A cultura floresce e é adorada pelo mundo. A economia pulsa com vida. A arte, a natureza e a sabedoria ancestral guiam as decisões políticas. Essa virada utópica começou em 1893, quando o então presidente Floriano Peixoto — inspirado pela visão reformista de Policarpo Quaresma — aceita suas propostas e transforma o país para sempre.

A bela Deusa Mani em ação, em ilustração de Luiz Pagano - A Albina Deusa, alba como a mandioca, essa personagem surpreende pela sua garra, força, inteligência e beleza.

Neste novo Brasil, os Quaresmas, seus sobrinhos e descendentes tornam-se os Guardiões da Ordem e do Progresso, uma espécie de dinastia republicana com raízes populares, sabedoria ancestral e espírito tupi. Mas, no coração desta transformação, pulsa a força selvagem e feminina da Deusa Mani — a entidade viva da mandioca e símbolo máximo da reconexão entre humanidade e natureza.

Nesse sentido, na ficção de Luiz Pagano, Mani sempre aparece com uma capivara, pois além de criador desta história em quadrinhos, Pagano também é o criador de "Capivara Parade", baseado no movimento artístico Cow Parade. Pagano coloca as capivaras como embaixadoras da natureza nos centros urbanos, pois, ao se ver elas chegando para nadar nos poluídos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, ou na poluída Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, nos mostram que é possível ter sustentabilidade nas cidades brasileiras.


Aqui vemos a simiulação de uma 'Live Action' de mani em batalha.

Diferente da versão tradicional que a mantém na floresta, na HQ Heróis da Bruzundanga, Mani circula por cidades, domina armas, fala idiomas, conhece tecnologia. Mas há um limite: a urbanidade drena seus poderes. Vestir roupas, usar objetos artificiais, permanecer longe da mata — tudo isso enfraquece Mani. Sua força vital vem do natural. Para reabastecer seus dons, ela precisa se despir, correr livre entre palmeiras, capivaras, tamanduás e raízes de mandioca.

Ela é a personificação do Brasil não contaminado. A resposta feminina e ancestral à brutalidade do mundo moderno.

Canto a Mani – A Força Sagrada do Cauim

Nesta tirinha, Pagano apresenta elementos de suas criações de uma forma que parecem já existirem neste Brasil alternativo. Além dos heróis míticos e de diversos elementos encontrados nos livros de Lima Barreto e no tupi antigo, amplamente falado, vemos também o cauim, bebida costumeiramente consumida tanto na Bruzundanga quanto no Brasil, com centenas de variaçoes de qualidades e tipos diferentes de cauim, como o cauim dos tupis, dos yekuanas e dos waurás (o favorito de Mani).

Pergaminho do Canto à Deusa Mani - Em uma adaptação completa aos dias atuais (já que os antigos povos indígenas nem sequer escreviam, confiando apenas na tradição oral para transmitir seus conhecimentos), o pergaminho é pendurado nas paredes como uma lembrança.

O culto a Mani não se limita às páginas da HQ. Ele pulsa em rituais reais, como o que antecede a produção do cauim — a bebida fermentada de mandioca dos tupis. O amigo e estudioso do tupi antigo, Ariel, escreveu um cântico de louvor:

Mani omanõ yby resé toîkó 
oré 'anga rembi'urãmamo.

Mandi'oka asé reté oîopóî; 
kaûĩ asé 'anga oîopóî.

"Mani morreu da vida terrena para virar alimento espiritual do nosso povo."
"A mandioca alimenta o corpo e o cauim alimenta o espírito."

Um ambiente de reverência à Deusa Mani dentro de casa ou de uma unidade de produção Cauim, vemos a pintura com uma oração à Mani, o Ietamemuã no centro com um suporte para colocar as Maracas e suas oferendas.

Inspirado no paralelismo e rituais budistas como o sambo (altar de oferendas), adotado aqui no Brasil por meio da transplantação religiosa, Pagano decidiu criar um rito adaptado ao contexto urbano atual brasileiro. Como não é possível enterrar o maracá no solo das grandes cidades, criou uma peça simbólica que permite sua fixação dentro de casa — uma estrutura chamada Ietamemuã – uma abreviação de Ietamongaba Karamemuã, nome em tupi antigo para ‘altar de oferendas aos maracás’, inspirado na forma tradicional das oferendas feitas pelos caraíbas da época de Lery.

Em tupi antigo:

Ietamongaba significa "oferta" ou "oferenda";

Karamemuã designa uma "caixa" ou "receptáculo sagrado";

A exemplo de uso, a frase "Aîinhetamong Mani Rese" pode ser traduzida como "Façamos uma oferenda para a Grande Mani".

Esse universo está tão ricamente presente na mente de Pagano que vemos como se fossem cotidianos os elementos como o Ietamemunhã, Tykueryru, Ibirapema e muitos outros.

Na narrativa da HQ, Mani é uma heroína — mas não como as dos quadrinhos convencionais. Ela não voa, mas conhece o vento. Não lança raios, mas invoca a força do trovão. Seus maiores inimigos são a artificialidade, a ganância e a desconexão. Quando o Brasil volta os olhos para a Terra, Mani retribui com fartura e sabedoria.

Ela não comanda — inspira. Não governa — desperta. É a lembrança viva de que somos feitos da mesma matéria da mandioca: resistentes, humildes, essenciais.

Neste Brasil possível — utópico, sim, mas não impossível — a natureza é soberana, a ancestralidade é respeitada, e a cultura tupi não é apagada, mas celebrada como origem e destino.

Mani não é só uma personagem. Ela é um manifesto.
Um grito pela terra.
Um sopro ancestral que se renova a cada cauim.

Mani A Deusa da Mandioca e o Espírito Ancestral de um Brasil que Deu Certo

Deusa Mani e a Capivara - Quadro com moldura de Pau-Brasil A história de Mani começa com um escândalo: sua mãe engravida da própria Terra. E...